Pataxós de Barra Velha revelam "decepção" após governo federal não considerar demarcação do território

REDAÇÃO BAHIA DIA A DIA - 05/01/2023 - 17:00
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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) espera demarcar 13 territórios indígenas ainda neste mês de janeiro e uma das zonas analisadas pela ministra Sônia Guajajara (PSOL) é a Aldeia Velha, em Porto Seguro, na região da Costa do Descobrimento. A análise não atendeu as expectativas do povo pataxó do território indígena de Barra Velha, localizado no mesmo município, que também aguardava ser reconhecido pelo governo federal.

Um dos coordenadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Haroldo Heleno, explicou ao Bahia Notícias que os pataxós de Barra Velha tinham a expectativa da demarcação, pois a única documentação pendente é a assinatura da carta declaratória, que reconhece o território oficialmente e está “parada” desde 2020.

“A grande expectativa do pessoal na verdade era o processo de demarcação de Barra Velha, os pataxós cobram isso há muitos anos. Eles estão aguardando apenas a assinatura da carta declaratória. A Aldeia Velha é bem menor, não deixa de ser importante, mas a expectativa era Barra Velha”, afirmou Haroldo.

O território de Barra Velha soma mais de 9 mil hectares e cerca de três mil indígenas, enquanto Aldeia Velha ocupa uma área quatro vezes menor, com, aproximadamente, 2 mil hectares de terra e com um pouco mais de 900 indígenas na região.

Barra Velha em roxo e Aldeia Velha em laranja. Imagem: Terras Indígenas no Brasil

Outro fator importante levado em consideração é a violência vivida pelos pataxós de Barra Velha. Responsável pela região, um dos conselheiros do Cimi, que preferiu não se identificar, contou que, apenas na região Extremo Sul da Bahia, houve nove assassinatos de indígenas ao longo de 2022, além de 100 ataques apenas no território de Barra Velha.

“Nos últimos anos, Barra Velha entrou no cenário da violência praticada por grupos armados. Em 2022 foram mais de 100 ataques, os ataques foram sistemáticos, teve dias que aconteceram mais de 10. Só no ano passado, no Extremo Sul, foram nove indígenas mortos dentro dos territórios. Essas violência foram para nos desestabilizar e estabelecer um clima de terror na região”, explicou o conselheiro.

Além de Barra Velha, o representante da Cimi também citou a expectativa criada pelos indígenas no território Tupinambá de Olivença, que possui mais de 47 mil hectares e ocupa trechos dos municípios de Ilhéus, Buerarema e Una. Na área, estima-se uma população superior a 4.600 indígenas.

Território dos Tupinambás de Olivença | Imagem: Terras Indígenas no Brasil

Atualmente o território já foi identificado e também aguarda pela assinatura da carta declaratória. A Bahia, ao todo, possui 28 áreas indígenas, sendo que 19 ainda não tiveram nenhuma providência do governo federal.

Em novembro do ano passado, o Cimi construiu um relatório sobre a “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil". A Bahia foi o segundo estado que mais assassinou os novos originários, com oito ocorrências em toda a extensão da unidade federativa.

De acordo com o conselheiro, a demarcação de Barra Velha pode possibilitar a mitigação das invasões nos territórios, diminuindo, assim, as violências sofridas pelos indígenas em Barra Velha.

“A demarcação é fundamental para cessar o conflito, a ação da não demarcação que gera o conflito, porque cria uma situação de instabilidade no campo. O governo reconhece que a terra é do povo pataxó, mas ele não avançou a partir do processo legal de demarcação”, explicou o conselheiro do Cimi.

Atualmente a demarcação de terras indígenas vive um imbróglio no Supremo Tribunal Federal (STF) por conta do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que discute o chamado marco temporal para a definição das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena. O relator do texto é o ministro Edson Fachin.

O julgamento está paralisado há mais de um ano e é considerado fundamental para a demarcação de territórios. O tribunal decidirá se as comunidades indígenas têm direito ao usufruto apenas das áreas que afirmam ter pertencido a seus antepassados e que já ocupavam quando a Constituição Federal foi promulgada, em 5 de outubro de 1988, ou se tal direito se estende também a terras ocupadas após esta data.

“Já foi pautado pelo Supremo duas vezes, mas foi suspenso. A ministra Rosa Weber indicou que colocaria novamente em pauta no primeiro semestre deste ano. É uma expectativa de que o Supremo defina que os povos tenham o direito de continuar lutando pela demarcação de suas terras. Não se sabe ainda se o governo aguarda o STF ou se vai demarcar antes da decisão, aí que tá o perigo, não se sabe a definição do Supremo”, afirmou o conselheiro.

Anteriormente, na gestão de Jair Bolsonaro (PL), a função de demarcar terras indígenas havia sido retirada da Funai e foi realocada, em 2019, para o Ministério da Agricultura. O ex-presidente, inclusive, cumpriu a promessa de campanha e não realizou o reconhecimento de territórios ao longo de seu mandato.

Agora, a função de demarcação de terras é responsabilidade do Ministério dos Povos Indígenas, de acordo com a Seção com o inciso 3, do Artigo 42 da Medida Provisória Nº 1.154, que foi uma das primeiras ações do presidente Lula.

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